Como Enfermeiro Especialista de Saúde Materna e Obstetrícia quis elencar neste artigo algumas soluções para colmatar a carência de clínicos nesta área de assistência.
Para que possamos contribuir para a solução será necessário mudar o paradigma de como está implementada a forma de dar assistência às grávidas na área da grande Lisboa.
Luís Mós*
Os números são preocupantes. De acordo com dados revelados pela Pordata, a mortalidade materna atingiu, em 2020, indicadores semelhantes a 1980: cerca de 20 mortes por cada 100.000 nascimentos.
Não há como negá-lo. Trata-se de um retrocesso de 40 anos nos cuidados de saúde materna, registando-se uma discrepância significativa comparativamente a anos transatos, com resultados que apontavam para uma média de 8 mortes por cada 100.000 nascimentos.
Ao analisar estes dados, verificamos que as atuais condições no SNS, com uma falta de médicos de família dramática, encerramentos alternados de urgências de obstetrícia e ginecologia, reflexo do desinvestimento e esvaziamento de equipas, sujeitos a socorrerem-se de tarefeiros ao longo destes últimos 20 anos, fez com que, chegados a 2023, e com o quadro dos recursos existentes, não iremos conseguir inverter os indicadores de qualidade assistencial ao longo da gravidez e do parto.
Com este cenário, assistimos, cada vez mais, a mulheres sem possibilidade de vigiar a gravidez e programarem convenientemente o seu parto, levando a estes péssimos indicadores na saúde da grávida, longe dos preconizados pela OMS e mesmo pelo SNS.
Acredito que a assistência à mulher grávida pressupõe cuidados multidisciplinares, à semelhança do que aliás se verifica no Reino Unido e em Espanha.
De acordo com os bons exemplos destes países, os Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstetrícia (EESMOS) possuem no seu descritivo funcional a capacidade de vigiar todas as gravidezes de baixo risco, de assistir as mulheres grávidas durante o trabalho de parto, bem como decidir a sua alta domiciliar e posterior vigilância ao longo do puerpério (pós-parto).
Assim, é sem dúvida importante englobar este grupo profissional de uma forma mais completa, rentabilizando todos os recursos profissionais existentes com competência na prestação de cuidados nesta área, desde os Cuidados de Saúde Primários aos cuidados hospitalares.
Aos EESMOS deve ser reconhecida a sua autonomia de forma a poderem ser uma maior mais-valia na assistência durante a gravidez e puerpério. A inclusão nas equipas multidisciplinares que assistem a grávida é fundamental para proporcionar melhores outcomes em saúde.
Em Portugal, os partos eutócicos (normais) são, em grande medida, realizados por EESMOS. De acordo com os dados da Pordata, referentes a 2020, representaram cerca de 47% de todos os nascimentos, num total de 39.478, para um valor global de 83.831.
Este contributo devidamente mensurado deve originar uma reflexão sobre a restruturação das equipas multidisciplinares que dão assistência nas Urgências de Obstetrícia e Ginecologia, adaptando e canalizando as equipas médicas aos cuidados mais diferenciados.
Apenas na área da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), nos Cuidados de Saúde Primários existem mais de um milhão de pessoas sem médico de família, condicionando a assistência de cuidados de saúde em geral e especificamente na gravidez.
Os EESMOS querem e podem fazer parte da solução assistencial, podendo assegurar com segurança a assistência na gravidez e puerpério.
Iniciam-se agora alguns projetos pioneiros que possibilitam uma vigilância da grávida adequada, como é o caso do ACES de Sintra, onde atualmente existem 500 grávidas, na área do Cacém, sem vigilância da gravidez.
Felizmente, iniciou-se o projeto ProCuidar, assegurado por dois EESMOS, para iniciar a vigilância destas grávidas. Certamente que apenas dois enfermeiros, por maior capacidade de trabalho que reconhecidamente têm, não conseguirão assegurar toda a vigilância por défice de recursos humanos, mas estamos sem dúvida perante um passo importante e decisivo.
Já no Hospital de Loures foi proposto criar uma consulta de referenciação hospitalar de acordo com as normas da DGS, elaborada por EESMOS, esgotada que está a capacidade de resposta médica, sendo que a mesma abrange cerca de 200 grávidas mensais.
Desta forma fica assegurada a vigilância de grávidas de baixo risco a quem, de outra forma, só restaria um serviço de urgência.
Uma gravidez não/mal vigiada cria um enorme risco de saúde publica, contribui para o surgimento de situações complexas, cuja não deteção pode inviabilizar um nascimento saudável.
A insuficiente vigilância da gravidez leva ao aparecimento de problemas associados, como a diabetes gestacional, patologia hipertensiva, entre outras. E um diagnóstico tardio pode, em certa medida, originar um desfecho pior do que o expectável pela grávida.
Será importante também nas equipas de Cuidados de Saúde Primários incluir o EESMO como o profissional mais diferenciado para a vigilância das gravidezes de baixo risco e para o encaminhamento atempado para o hospital das situações de risco.
Como Enfermeiro Especialista de Saúde Materna e Obstetrícia quis elencar neste artigo algumas soluções para colmatar a carência de clínicos nesta área de assistência.
Para que possamos contribuir para a solução será necessário mudar o paradigma de como está implementada a forma de dar assistência às grávidas na área da grande Lisboa.
Artigo publicado em dn.pt a 06 de maio de 2023 (Uma solução para a falta de assistência às grávidas na ARSLVT (dn.pt))
*Luís Mós, Enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia, eleito pelo BE na assembleia de freguesia de Carcavelos e Parede.