A "tempestade" desencadeada pela Ordem dos Médicos (OM), que participou na elaboração da norma, mas afinal não concordou com a mesma, leva-me a pensar que não querem ajudar, mas sim manter os caciques instituídos há anos. Meus senhores, o mundo mudou, o SNS tem de mudar, por isso façam parte dessa mudança de uma forma construtiva e não destrutiva. Luís Mós*
A norma 2/2023, publicada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) a 10 de maio, veio legitimar uma competência há muitos anos praticada pelos Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstétrica (EESMO) nas maternidades do nosso querido Portugal.
O SNS atualmente não consegue garantir resposta adequada às grávidas que recorrem aos serviços de urgência devido à falta de médicos de família. Segundo os últimos dados, há cerca de um milhão e 600 mil utentes sem acesso a cuidados de saúde. Consequentemente, muitas grávidas ficam sem acesso aos cuidados necessários para vivenciarem uma gravidez e um parto felizes.
Acresce que as maternidades na região de Lisboa encerram alternadamente, criando uma entropia para quem procura um local para dar à luz.
Os médicos e EESMO sempre fizeram um trabalho exemplar, mas atualmente há cada vez menos médicos no setor publico, uma vez que estes profissionais procuram o setor privado em busca de melhores remunerações.
O governo não pode nem deve abandonar estas mulheres. Esta norma da DGS faz todo o sentido, ao libertar os poucos médicos para prestarem assistência nas situações mais diferenciadas ou mais urgentes.
A "tempestade" desencadeada pela Ordem dos Médicos (OM), que participou na elaboração da norma, mas afinal não concordou com a mesma, leva-me a pensar que não querem ajudar, mas sim manter os caciques instituídos há anos. Meus senhores, o mundo mudou, o SNS tem de mudar, por isso façam parte dessa mudança de uma forma construtiva e não destrutiva.
Os médicos continuam a ser necessários, pois nunca se pode ter a certeza que uma gravidez normal acabe num parto instrumentalizado ou em cesariana. Sim, continuam a ser precisos. Mas os EESMO podem ser parte desta solução, assegurando partos de parturientes com gravidez sem patologia.
Os EESMO que protestaram pelo reconhecimento no passado recente, querem e podem ajudar a debelar um problema que teima em manter-se, apesar de Portugal ter 467 médicos por cada 100.000 habitantes, rácio superior à média europeia, que é de cerca de 360.
Precisamos de pôr em prática a norma da DGS. Sabemos que vêm aí as férias de verão e os fogos não vão deflagrar apenas nas nossas florestas. Podem também acontecer nas maternidades e também sabemos quão desprotegidas podem ficar estas grávidas. Haja vontade política porque, nós EESMO, há muito temos connosco essa vontade!
Artigo publicado em dn.pt a 24 de maio de 2023 (O que receiam os médicos? (dn.pt))
*Luís Mós, Enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia, eleito pelo BE na assembleia de freguesia de Carcavelos e Parede.