É uma medida que se justifica por motivos de justiça social e eficiência económica. As empresas com mais poder de mercado aproveitam o ruído no sistema de preços para aumentarem as suas margens e lucros e esse aumento das margens gera ainda mais inflação. Alexandre Abreu*
O atual surto inflacionista foi desencadeado por perturbações das cadeias de produção no contexto da pandemia e agravado pela guerra na Ucrânia, mas foi o aumento das margens praticadas pelas empresas em diversos sectores que trouxe a inflação para os níveis atuais e está a penalizar mais fortemente o poder de compra das pessoas. Isso mesmo foi já comprovado estatisticamente pelo Eurostat e assumido pelo Banco Central Europeu no seu recente retiro de inverno. Na zona euro e em Portugal, estamos perante uma espiral lucros-preços: as empresas com mais poder de mercado aproveitam o ruído no sistema de preços para aumentarem as suas margens e lucros e esse aumento das margens gera ainda mais inflação. É por isso que no último ano têm coexistido uma inflação especialmente elevada e lucros recorde para muitas empresas, especialmente as que operam em sectores de forte concentração oligopolística.
As questões da concentração e poder de mercado, que nos últimos anos têm aumentado na Europa e no nosso país, são aqui centrais: são elas que têm permitido estes ganhos extraordinários num contexto em que, perante um aumento dos preços que fosse de origem meramente externa e em condições concorrenciais, as margens e lucros deveriam reduzir-se. Ora, é exatamente essa concentração de mercado, muitas vezes agravada por práticas de cartelização de que apenas vislumbramos ocasionalmente a ponta do icebergue, que justifica a intervenção governamental direta através da regulação dos preços. É conveniente e necessário limitar as margens e os preços para contrariar o poder de mercado destas empresas e quebrar a espiral lucros-preços. E em nenhum sector é isso tão urgente e importante como na distribuição alimentar, devido à concentração de mercado neste sector, aos lucros especialmente elevados que nele se têm verificado e à centralidade destes bens na estrutura de despesa das famílias, especialmente as de baixos rendimentos.
O controlo de preços é já praticado em sectores como a energia ou o arrendamento e não é especialmente exigente do ponto de vista técnico: por exemplo, pode ser feito impondo um teto máximo à variação dos preços relativamente a um momento no passado ou no presente e passando para as empresas o ónus de demonstrar, quando assim for, que a alteração da estrutura de custos justifica uma variação maior. No atual contexto, é uma medida melhor do que a redução do IVA: a redução dos impostos indiretos é em geral uma medida positiva e com efeito progressivo, mas num contexto de concentração de mercado é simplesmente absorvida pelas empresas e transformada em mais lucros, sem efeito sobre os preços finais - como temos assistido em Espanha. É também uma medida mais eficaz do que o imposto sobre lucros extraordinários já introduzido, uma vez que este último redistribui a posteriori (e bem) alguns destes ganhos extraordinários, mas não limita ou desincentiva a fixação de preços mais elevados.
Em suma, é uma medida que se justifica tanto por motivos de justiça social como de eficiência económica.
Publicado no esquerda.net, 22 de março de 2023
*Alexandre Abreu, economista, professor universitário, dirigente do Bloco de Esquerda, deputado municipal do Bloco na assembleia municipal de Cascais